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China ocupa espaço que era do Brasil na Argentina

Fonte: Valor Econômico (28 de janeiro de 2022)


 
O Brasil perdeu em 2021, de forma inquestionável, o posto histórico de maior país exportador à Argentina. Após empate técnico em 2020, a China ultrapassou em mais de US$ 1 bilhão as vendas brasileiras aos argentinos no ano passado. O feito do país asiático é inédito em bases anuais, segundo série de dados desde 2002 do governo argentino.
 
A China já havia ficado à frente do Brasil em alguns meses nos últimos dois anos. No ano cheio de 2020 até “ganhou” por diferença abaixo de US$ 10 milhões, o que deixou o país asiático e o Brasil com igual fatia de 20,4% do total de US$ 42,4 bilhões em importações argentinas. No ano passado, a vantagem chinesa ficou clara.
 
Com total de US$ 13,5 bilhões embarcados no ano passado ao país do tango, os chineses apertaram o ritmo das exportações e ficaram com pouco mais de um quinto (21,4%) das compras externas argentinas em 2021, em claro avanço em relação aos 14,3% que detinha em 2011. O Brasil aumentou os embarques ao país vizinho no ano passado, mas não em igual compasso. Com embarques de US$ 12,4 bilhões correspondentes a 19,6% de fatia na importação argentina em 2021, o Brasil levou um tombo na última década. Em 2011, o país detinha 30% das compras externas do sócio do Mercosul. Os dados são do Indec, o instituto oficial de estatísticas do governo argentino.
 
Os chineses chegaram para ficar no primeiro lugar no ranking de fornecedores à Argentina, dizem especialistas. “É uma realidade com a qual precisamos nos acostumar. Achávamos que a Argentina era um mercado cativo, mas isso mostra que não é verdade. E a China manterá seu esforço de ganhar mercados, sejam em locais próximos ou distantes geograficamente”, diz José Augusto de Castro, presidente da Associação de Comércio Exterior do Brasil (AEB).
 
No ano passado, a venda de bens chineses à Argentina avançou 56,3%. A taxa ficou bem acima da média de 49,2% de crescimento das importações totais da Argentina. A exportação brasileira para o país vizinho cresceu menos, com alta de 43,3%. Entre os principais produtos exportados pela China à Argentina em 2021, estão as vacinas, certamente impulsionadas pela covid-19. Os dados da série histórica, porém, mostram que o avanço chinês vai bem além do cenário conjuntural. Trata-se de uma trajetória crescente no decorrer de mais de uma década.
 
Antes de desbancar o Brasil, a China tomou dos Estados Unidos, em 2010, o posto de segundo maior fornecedor à Argentina. Naquele ano os argentinos importaram US$ 6,1 bilhões dos americanos e, dos chineses, US$ 7,7 bilhões. Confortável, o Brasil ainda liderava a oferta de bens aos argentinos, com cifra de US$ 18 bilhões. No ano seguinte, os brasileiros atingiram o auge de exportação ao sócio do Mercosul, com total de US$ 22,2 bilhões, mais que o dobro dos US$ 10,6 bilhões vendidos então pelos chineses.
 
Nos dez anos que se seguiram, porém, essa história mudou, de forma gradativa. Seguindo a montanha-russa por que passou a economia argentina desde então, tanto os embarques brasileiros como os chineses rumo à Argentina tiveram seus altos e baixos. Mas, em cada retomada da economia, o fôlego para o jogo dos asiáticos foi maior e a Argentina absorveu produtos made in China em ritmo mais acelerado do que os de origem Brasil. A diferença no placar dos embarques ficou cada vez menor, até o empate técnico em 2020, quanto chineses venderam US$ 8,66 bilhões para os argentinos, e os brasileiros, US$ 7,6 milhões a menos. No ano passado, com novo arranque mais vigoroso da China, o Brasil ficou para trás.
 
Conjunturalmente, diz Castro, o Brasil pode ter sido até mais favorecido no ano passado que a China na exportação à Argentina. Isso porque o transporte de bens brasileiros destinados ao país vizinho vai majoritariamente por via terrestre, o que deixou os produtos menos sujeitos a choques de oferta logísticos que atingiram navios e contêineres necessários para as mercadorias atravessarem o mar desde a Ásia. Além disso, diz Castro, o embarque brasileiro foi favorecido também pela alta de preços do minério de ferro, um dos cinco itens que o Brasil mais exportou no ano passado para o parceiro.
 
Welber Barral, consultor e sócio da BMJ, destaca que em razão das exportações relativamente baixas dos argentinos à China, o comércio bilateral deles resultou em déficit de US$ 7,4 bilhões para o lado da Argentina em 2021. Com o Brasil, que importa valores mais altos, tradicionalmente, o saldo negativo foi bem menor, de US$ 665,2 milhões. “O déficit comercial é importante neste momento para a Argentina, dado o cenário mais complicado do setor externo deles”, aponta. Mesmo assim os argentinos não deixaram de comprar mais produtos chineses.
 
“Imaginava-se também que a Tarifa Externa Comum (TEC) poderia criar uma proteção para o comércio intrabloco, mas isso não foi suficiente”, diz Barral, referindo-se ao conjunto de tarifas cobradas quando um país do Mercado Comum do Sul (Mercosul) importa produtos de locais de fora do bloco. Os números oficiais do Brasil também mostram que a relação comercial com o sócio do bloco perdeu força. Em 2010, o país vizinho representou 9,2% da exportação total brasileira. Em 2018 a fatia caiu para 6,4% e não se recuperou mais. No ano passado foi de 4,2%.
 
O fortalecimento da relação comercial sino-argentina não é algo único, observa o economista Livio Ribeiro, pesquisador do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (FGV Ibre) e sócio da consultoria BRCG. “A China avança na provisão de bens industriais para América Latina como um todo desde meados dos anos 2000 e na última década os manufaturados chineses invadiram a região”, lembra. Isso, diz ele, mostra simplesmente que a China é mais competitiva. “É difícil enxergar um cenário no qual o espaço que ela ocupa não aumenta. Neste momento não imagino algo que levaria a uma estagnação da penetração chinesa.”
 
E não se trata apenas do avanço da China tomando espaço do Brasil nos mercados da região, diz Barral. Nos dados do ano passado, cita o ex-secretário de comércio exterior do Brasil, outros países asiáticos, como Indonésia, Tailândia e Coreia do Sul aumentaram a exportação aos argentinos em ritmo acima da média. São valores menores, mas que formam um conjunto representativo e mostram que a recuperação dos embarques brasileiros com a retomada da economia esperada para a região irá enfrentar a concorrência da Ásia como um todo e não somente dos chineses. Pelos dados do Indec, a importação de produtos tailandeses pela Argentina somou US$ 1,6 bilhão em 2021, com alta de 54% contra o ano anterior. De produtos coreanos foram US$ 648,3 milhões, 77,4% a mais que em 2020.